Pilula do Dia Seguinte - Entrevista do Blog do Dr. Drauzio Varella
José Mendes Aldrighi é médico, professor de
Ginecologia do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de
Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e chefe do Departamento de
Saúde Materno-Infantil da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de
São Paulo.
O início da vida sexual ocorre cada vez mais cedo, na maior parte das
vezes, sem que os jovens se preocupem com nenhum procedimento
contraceptivo. Consequentemente, não são raros os casos de meninas
grávidas aos onze, doze anos de idade. Segundo a Organização Mundial de
Saúde, a única maneira de evitar tais incidentes é mantê-las informadas a
respeito dos riscos a que estão expostas – entre eles, a transmissão de
doenças graves como a AIDS, por exemplo, — e garantir-lhes o acesso aos
métodos anticoncepcionais.
Entretanto, apesar do nível de informação sempre crescente a respeito
dos riscos e implicações inerentes ao exercício da sexualidade e dos
meios disponíveis para evitá-los, muitas moças se descuidam e
engravidam. As desculpas são muitas: acharam desnecessária a prevenção,
porque consideravam remota a possibilidade de manter relações sexuais,
haja vista que não tinham namorado fazia muito tempo, ou porque as
relações eram tão esporádicas que não justificavam o uso contínuo das
pílulas anticoncepcionais, ou, ainda, porque o rapaz tinha o hábito de
usar preservativos.
De repente, as coisas escapam de seu controle e elas se dão conta de
que o programa do dia anterior coincidiu exatamente com o período
fértil. Diante da possibilidade de uma gestação indesejada, muitas
recorrem à pílula pós-coital, também conhecida como pílula do dia
seguinte, ou do arrependimento, que deveria ser usada só em situações
extremas e não como rotina para evitar a gravidez.
O QUE É?
Drauzio – O que se entende por pílula pós-coital ou pílula do dia seguinte?
Drauzio – O que se entende por pílula pós-coital ou pílula do dia seguinte?
José Mendes Aldrighi – A pílula pós-coital nada mais
é do que a pílula anticoncepcional comum constituída por estrogênio e
progestogênio. A única diferença está na dosagem um pouco maior (50
microgramas de estrogênio e 250 microgramas de progestogênio), quando
indicada após uma relação sexual que represente risco de gravidez.
Então, a jovem que manteve relação num momento inoportuno, ou teve a
infelicidade de o preservativo ter-se rompido, o que não é tão
infrequente assim, ou, ainda, aquela que foi vítima de estupro podem
valer-se dessa pílula para afastar o risco da gestação indesejada.
Na verdade, a pílula pós-coital contribuiu para evitar algumas
agressões ao organismo que as mulheres cometiam, quando suponham estar
grávidas. Por exemplo, ao se darem conta do ocorrido, aquelas que tinham
mantido relação sexual próxima do período ovulatório faziam as maiores
acrobacias para adiantar a chegada da menstruação. Para tanto, recorriam
a drogas abortivas com efeitos colaterais danosos para sua saúde ou
introduziam instrumentos dentro do útero, que podiam provocar danos
gravíssimos ao organismo.
INDICAÇÃO E DOSAGEM
Drauzio – Como deve ser administrada a pílula pós-coital?
Drauzio – Como deve ser administrada a pílula pós-coital?
José Mendes Aldrighi – Estupro,
ruptura de preservativo ou coito num momento próximo da ovulação são
casos que justificam a indicação da pílula pós-coital nas seguintes
doses: tomar 2 comprimidos no período que vai desde o momento da relação
sexual até 72 horas depois e mais 2 comprimidos doze horas mais tarde.
São 4 comprimidos ao todo, portanto.
Assim, a mulher que se encontra numa dessas situações de risco deve
procurar obrigatoriamente um médico antes de completar as 72 horas para
que ele possa prescrever-lhe a pílula. A eficácia é quase de 100%, uma
vez que cria condições para apressar a menstruação e, com isso, impede
que a gravidez se instale.
Drauzio – Vamos admitir que a mocinha tenha tido uma relação no sábado à noite.
Quais são as providências que deve tomar?
José Mendes Aldrighi – Se a relação
ocorreu no sábado à noite e no domingo ela não conseguiu entrar em
contato com o médico, na segunda-feira precisa procurá-lo para receber a
orientação adequada. Ele vai prescrever-lhe quatro comprimidos de uma
pílula anticoncepcional comum. O importante é que dois comprimidos sejam
tomados o mais depressa possível e, passadas doze horas, tome mais
dois. A grande maioria das pacientes responde a esse esquema com perda
sanguínea num prazo de sete a dez dias.
Drauzio – As moças costumam recorrer com frequência ao uso da pílula do dia seguinte?
José Mendes Aldrighi – Há muitos
anos venho chamando a atenção de que a pílula pós-coital, ou do dia
seguinte, só deve ser utilizada numa emergência, não como recurso
anticoncepcional rotineiro. Sempre defendi sua indicação nos casos de
estupro, como forma de impedir que o sofrimento de uma gravidez forçada
viesse somar-se ao trauma e à violência impingidos à mulher nesses
casos.
Quanto às meninas que mantêm relações sexuais com certa regularidade,
essas devem procurar um médico para receber a orientação necessária
sobre o uso da pílula ou de outro método contraceptivo adequado às
condições de seu organismo e faixa de idade.
Aliás, nesses casos, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda a
dupla proteção, isto é, a pílula anticoncepcional para elas e o
preservativo para os meninos, a fim de protegê-las também contra a
infecção pelo vírus HPV (papiloma vírus humano), por exemplo, que pode
ser transmitido por via sexual e é responsável pelo aparecimento do
câncer de colo de útero. Às vezes, as mulheres só descobrem tardiamente
que são portadoras desse vírus, quando vão fazer o exame de
Papanicolaou.
ATENDIMENTO NO SERVIÇO PÚBLICO
Drauzio – Esse tipo de orientação é oferecido pelo serviço público de saúde para as moças que não têm condição de consultar um médico particular?
Drauzio – Esse tipo de orientação é oferecido pelo serviço público de saúde para as moças que não têm condição de consultar um médico particular?
José Mendes Aldrighi – Em São
Paulo, a Santa Casa, o Hospital das Clínicas e o centro de saúde-escola
da Faculdade de Saúde Pública da USP, a Escola Paulista de Medicina
(UNIFESP) oferecem esse tipo de orientação. São esses serviços
especializados que as moças devem procurar, em vez de ouvir os palpites
de curiosos no assunto.
Drauzio – No interior, esse serviço também está disponível nos postos de saúde?
José Mendes Aldrighi – Em muitas
das grandes cidades do interior, funcionam faculdades de medicina e
hospitais-escola que podem prestar esse tipo de atendimento. Nas outras,
a maioria possui postos de saúde competentes, responsáveis por informar
e orientar as moças e pela prescrição dos medicamentos.
Drauzio – É um procedimento caro?
José Aldrighi – Não, não sai caro. Na verdade, sai o
preço de uma cartela de pílulas anticoncepcionais de uso convencional,
da qual são retirados apenas 4 comprimidos para serem tomados da
seguinte forma: dois antes de completar as primeiras 72 horas
posteriores à relação sexual e, doze horas depois, mais dois.
EFEITOS COLATERAIS
Drauzio – A pílula pós-coital pode produzir efeitos colaterais desagradáveis?
José Mendes Aldrighi – Essa pergunta é muito
procedente. A dosagem mais alta de hormônios da pílula anticoncepcional
pode provocar um pouco de náuseas. Por isso, recomenda-se que os
comprimidos sejam tomados depois de uma refeição mais reforçada. É
interessante observar, também, que a intolerância gástrica diminui
quando a medicação é ingerida com líquidos gelados.
Drauzio – Isso vale também para a pílula convencional?
José Mendes Aldrighi – Vale também
para a pílula convencional, que deve ser tomada sempre no mesmo horário e
após uma refeição. Se a moça tiver tendência a sentir enjoos, deve
tomar a pílula com um copo de leite gelado. O leite tem efeito
neutralizante e, se estiver gelado, impede que o esvaziamento gástrico
seja retardado.
PERÍODO FÉRTIL
Drauzio – Você falou na relação sexual que
ocorre no período mais fértil da mulher e que pode provocar gestação
indesejada. O problema é que é praticamente impossível determinar com
exatidão o período fértil da maioria das mulheres. Já ouvi histórias de
moças que engravidaram em dias de sangramento vaginal. Você deve
conhecer casos de gravidez em qualquer fase do ciclo. Mesmo assim, em
linhas gerais, qual é a fórmula para calcular o dia da ovulação?
José Mendes Aldrighi – Para poder determinar o dia
da ovulação, a mulher precisa ter ciclo menstrual absolutamente regular.
Por exemplo, as que possuem ciclo de 28 dias, ovulam no décimo quarto
dia, porque a ovulação ocorre 14 dias antes da chegada da menstruação
seguinte.
Drauzio – Bem na metade do ciclo…
Jose Mendes Aldrighi – Bem na
metade. Vamos supor, então, um ciclo de 30 dias. Se a ovulação ocorrer
no décimo quarto dia que antecede a menstruação, a mulher irá ovular no
décimo sexto dia.
É importante ressaltar, porém, que o óvulo tem uma vida média de 24
horas e o espermatozoide, de 3 dias. Isso significa que, no ciclo de 28
dias, se a mocinha mantiver uma relação no décimo primeiro dia, um dos
espermatozoides depositados na vagina consegue fecundar o óvulo liberado
no décimo quarto dia, o que possibilita a gravidez.
Drauzio – Os espermatozoides ficam lá esperando…
Jose Mendes Aldrighi – Ficam
esperando nos canais de muco existentes no útero, e são bombeados para
as tubas continuadamente. Se a menina com ciclo de 28 dias não quiser
usar a dupla proteção, o que não aconselho, o período livre para as
relações sem nenhum método contraceptivo vai do primeiro dia da
menstruação até o nono dia, e não o décimo, pois o levantamento de
histórias clínicas no consultório mostra que os espermatozoides chegam a
sobreviver quatro, cinco dias. Por causa dessas variações, o método da
“tabelinha” não é recomendado pelos médicos: falha muito.
Drauzio – Você disse que a menina que menstrua rigorosamente a
cada 28 dias, deve ovular ao redor do décimo quarto dia, mas a
recomendação é que, a partir do nono dia depois da menstruação, ela se
abstenha de relações sexuais ou use métodos contraceptivos, porque há
espermatozoides capazes de sobreviver por até cinco dias. Depois do
décimo quarto dia, elas estão liberadas?
José Mendes Aldrighi – Não. Sempre aconselho que não
mantenham relações por mais três a cinco dias depois da ovulação, como
medida de segurança. Embora os cinco dias anteriores à ovulação sejam os
de menor risco, é bom não esquecer que o óvulo sobrevive por 24 horas.
Por isso, minha recomendação às adolescentes é a abstinência sexual
ou o uso de preservativos nessa fase. Infelizmente, temos observado que,
embora o uso de preservativos tenha aumentado nos últimos anos, ainda
está muito longe do que seria ideal. Em 1986, uma pesquisa na cidade de
São Paulo apontou que 2,6% dos homens usavam preservativo, número que
subiu para pouco mais de 6% nos anos subsequentes.
Drauzio – Um número ridículo, sem dúvida.
José Mendes Aldrighi – Ridículo
diante da gravidade de uma doença sexualmente transmissível como a AIDS.
Uma tese defendida na UNICAMP aponta que 30% das mulheres e 50% dos
homens soropositivos, isto é, já infectados pelo HIV, mantinham relações
sexuais sem nenhum tipo de proteção.
Por essa razão, são fundamentais as campanhas públicas não só sobre a
importância do uso do preservativo, como também sobre os métodos
contraceptivos à disposição e o planejamento familiar.
FALIBILIDADE DOS MÉTODOS CONTRACEPTIVOS
Drauzio – O que diz sua experiência de quase 30 anos a respeito da tabelinha para evitar a gravidez?
Jose Mendes Aldrighi – Aprendi muito cedo a aceitar
os métodos contraceptivos que as pessoas preferem, mas respeito muito
também os que estudei e cuja eficácia acompanhei durante anos e anos.
Todo mundo pensa que a pílula não falha. Falha, sim, entre 0,2% e
0,4% dos casos, mesmo que a mulher a tenha tomado direitinho. Isso quer
dizer que, em cada mil mulheres, de duas a quatro engravidam, apesar da
pílula. O mesmo acontece com a laqueadura: 0,1% das mulheres que passam
pelo procedimento de amarrar e cortar as trompas engravida. Portanto,
não existem métodos totalmente eficazes. Minha experiência mostrou,
porém, que o índice de falhas da tabelinha é maior, está por volta de
25% a 30%.
Tenho observado também nesses quase 30 anos de profissão que muitos
jovens ainda se valem do chamado “método primitivo” – o coito
interrompido – para evitar a gravidez. Ao contrário do que se diz por
aí, ele está longe de representar um procedimento tranquilo e seguro.
Além de a frequência de falhas ser enorme, não oferece gratificação
satisfatória para as moças e pode provocar distúrbios de ereção nos
rapazes.
Drauzio – Alguns casais utilizam o coito interrompido com
preservativo. Antes da ejaculação, o homem interrompe a relação e coloca
o preservativo. Essa seria uma solução contraceptiva para as pessoas
que não estão infectadas por vírus ou bactérias que causam doenças
sexualmente transmissíveis?
Jose Mendes Aldrighi – Vejo nessa
técnica dois problemas. Primeiro, o homem precisa ser um indivíduo muito
equilibrado para, num momento específico do exercício da sexualidade,
interromper a relação para colocar o preservativo. Depois, porque não é
pequeno o número de gestações que ocorre sem penetração. Ou seja, mesmo
nas relações realizadas fora da vagina, o líquido prostático que o homem
elimina contém espermatozoides capazes de fecundar o óvulo em 10% a 15%
dos casos.
Drauzio – Esse é um ponto que eu gostaria que você
ressaltasse para esclarecer os adolescentes que estão iniciando a vida
sexual.
José Mendes Aldrighi – Atendi vários casos de
adolescentes que engravidaram sem penetração e, o mais surpreendente,
até com as meninas usando calcinhas. Isso é prova de que os
espermatozoides existentes no líquido seminal podem ultrapassar
barreiras e chegar ao óvulo para fecundá-lo.
É preciso que os adolescentes tenham consciência e responsabilidade
nessa hora e não se deixem levar pela busca inconsequente do prazer.
Mesmo quando não há penetração, é fundamental fazer uso do preservativo.
ORIENTAÇÃO AOS JOVENS
Drauzio – Qual é a orientação que você deixa para as garotas que estão prestes a iniciar a vida sexual?
Drauzio – Qual é a orientação que você deixa para as garotas que estão prestes a iniciar a vida sexual?
Jose Mendes Aldrighi – Atualmente, a orientação é
que as jovens procurem um ginecologista antes de iniciar a atividade
sexual. Entre outras coisas, elas precisam ser informadas a respeito da
importância da dupla proteção, isto é, do uso da camisinha associado a
outro método contraceptivo, escolhido de acordo com suas características
orgânicas e o seu modo de ser.
Muitas hesitam em procurar o ginecologista que atende sua mãe. Esse
temor não tem fundamento, uma vez que a função do médico é ser seu
amigo, ouvir suas dúvidas, mostrar-lhes as opções de anticoncepcionais à
disposição. De forma alguma, ele poderá trair a confiança nele
depositada.
Link da Fonte: http://drauziovarella.com.br/mulher-2/pilula-do-dia-seguinte/
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